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A quarta edição da Verãozão reuniu artistas, músicos e terapeutas de três continentes para uma imersão de duas semanas na Residência São João. Houve ritual para Yemanjá, sessões de osteopatia sacro-craniana, improvisações musicais, caminhadas, oficinas de desenho, de construção de adereços...  foram duas semanas intensas de imersão criativa, enriquecida pela troca de saberes e pelas vivências compartilhadas.

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    É interessante como gratitude pode ser tanto uma carta marcada, caricata, sacada nos mais curiosos momentos, quanto uma Deusa que toma forma a partir das orações que são cada novo encontro ou reencontro, ciclos, reciclagens e contatos magnéticos. Enxergo ela quando volto a um lugar do qual parece que nunca saí e constato que foi possível viver um ano em duas semanas, ou algo assim. 

    Fui à Residência São João para recriar a visão e as emoções que o cotidiano urbano distorce, não-produzir para estar um pouco mais vivo e caminhar com pés que só existem porque alguém se movimentou antes de mim para garantir que eu não ande sozinho. Olhando assim, pisar nesse território é um encontro com reluzentes camadas de vida, sejam elas pedras, pássaros, sapos, fungos, folhas ou fantasmas folheando os livros de história e apontando para os quadros.

    Chego numa tarde ensolarada como os olhos que encontro. Lógico que nem tudo é sobre olhares e passos, cabeças e pés, mas é bom chegar de uma viagem longa e saber que tudo está no lugar, talvez mais do que quando parti. Os olhares solares são abraços, acolhimento entre pessoas que acabaram de se encontrar, mesmo quando parece que já estavam ali há um bom tempo. E nem tudo é sobre sol e reluzencias, porque, às vezes, é a noite ou a chuva quem acolhe. Sempre a grama, o café, a cachoeira. Salve a água, salve o café.

    Todo preparo é em vão, pois toda  a experiência é inebriante. Sons, cheiros, refeições, memórias e a fartura do afeto que se multiplica com a batida do relógio no peito. Combustíveis para voar e mergulhar na imprevisibilidade dos eventos, das ideias, das emoções. Creio que aprendi a ouvir um pouco mais, ouvir com a língua, com os ossos, com o sangue. Ouvi a luz do laser, fiz festa.

    Impossível sair sem deixar nada, talvez por isso a sensação de ainda não ter voltado de lá. Impossível voltar com menos, pois cada pessoa que encontrei imprimiu seu toque e sua voz em algum lugar da minha mente que só vou mexer se empoeirar - impossível.

    Corpos negros ocupando uma fazenda do período colonial não é nada simples e esse também é um selo impresso que ecoa e ressoa com vontade própria dentro de mim, como sigilos se desdobrando contra os muros da realidade. Situações assim me convidam à transmutação das marcas ali presentes, pois simplesmente evidenciar a história para que seja preservada não é o suficiente, cristaliza. Contra isso, a gente canaliza, antes que tudo se perca no festival de microcapitalismos e apropriações que é o mercado de arte e cultura.

    Escrevo na madrugada de uma segunda para lembrar que ciclos se expandem quando se fecham e, em cada ponto dessa espiral, algo novo pode ser contado, relembrado, contestado ou contemplado - memórias vivas e abertas sempre nos seduzindo para reviver e reconstruir um momento. A cada nova volta, seja em torno do meu próprio cérebro ou do sol e da lua de cada encontro registrado naqueles dias, entendo cada vez mais pelo que agradeço.

 

 

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A Verãozão é uma residência centrada em autocuidado e contato com com a natureza, por isso a comida tem um lugar fundamental. A chef colombiana Nancy Mora preparou um cardápio incrível, com alimentos orgânicos, boa parte produzidos na fazenda, ou por vizinhos e parceiros locais. Ela também fez o belo registro fotográfico acima, e escreveu sobre a experiência em seu site.

Todos os dias pela manhã havia uma meditação ativa. Quem conduzia era o terapeuta Renê Caffaro, acompanhado de Monaliza Marchi. O duo também ofereceu uma massagem para cada residente. As dinâmicas propostas traziam relaxamento, mergulho interior e afetividade, para consigo mesmo e para com o grupo. Seu aporte se tornou uma estrutura potente para a potencialização de processos criativos.

Realizamos um evento de Portas Abertas, com oficinas, apresentações e fogueira, no qual recebemos a comunidade local.

Pedrinho Junqueira

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